24 de junho de 2013

Cobrança de taxa de entrega de documentos: legitimidade.


Sim, nós vivemos num país democrático (ao menos, é assim que nos auto intitulamos, enquanto brasileiros) e, mas que isso, todos nós detemos direitos na condição de cidadãos, os quais são perseguidos à exaustão (e, por assim dizer, com exaltação), como bem vivenciamos nos últimos dias...

Entretanto, para que não haja uma desvirtuação de todo o entendimento acima, cabe-nos ressaltar, ainda que essa premissa deva ser de conhecimento geral, que assim como há direitos, também há obrigações em todas as relações interpessoais havidas, e que, assim, não podemos pleitear algo que achamos ser de nosso próprio direito, se não cumprirmos também com a parte que nos cabe nessas situações.

E, transportando esse entendimento básico à nossa realidade educacional, fazemos aqui uma ressalva pertinente acerca do todo disposto pela lei n.º 9870/99, que trata sobre as regras atinentes à fixação da anuidade escolar, pelas instituições de ensino privadas no país.

De fato, a referida lei prevê, em seu artigo 6.º, que “são proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.”

Assim, como já tratado em outras postagens lançadas nesse mesmo espaço, as instituições não podem causar prejuízos pedagógicos ao aluno inadimplente, eis que, por entendimento já pacificado em nossos próprios tribunais, há outros meios de se efetivar a cobrança em questão, podendo a escola valer-se, em paralelo das próprias atividades por ela ministradas a seus alunos, de todos os meios judiciais e/ou extrajudiciais de promoção dessa cobrança.

Entretanto, nosso intuito com o presente texto é esclarecer que o entendimento em questão não proíbe a instituição de cobrar uma taxa para expedição de documentos requeridos por seus alunos, sejam eles necessários à sua transferência e/ou trancamento da matrícula até então ali efetivada, desde que tal prática tenha sido prevista no instrumento contratual regulador daquela relação específica.

Isto posto, ressaltando o valor soberano atribuído à relação contratual (que pressupõe um acordo de vontades entre as partes celebrantes), não há razão alguma ao aluno mal intencionado que, devendo, requer sua documentação escolar sem pagar a competente taxa cobrada pela instituição para elaboração e disponibilização de tal documento.
Nota-se que o que é reprimido é a ação dessa instituição em condicionar a entrega dessa documentação ao acerto de tais débitos, mas não a recusa dela em atender a tal solicitação sem que o mesmo aluno pague, como previsto no contrato por ele firmado, a taxa equivalente a esse serviço específico.

Aliás, é esse o entendimento do acórdão proferido, recentemente, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo ao julgar uma apelação que versava sobre tal temática (apelação n.º 0003569-44.2007.8.26.0590, da comarca de São Vicente, SP - leia clicando aqui) que indeferiu por completo o pedido de indenização por dano moral requerido pelo autor de tal processo, que discutia exatamente essa situação.

Como depreende da decisão em comento, de fato não podemos pleitear direito que não nos assiste, tendo restado que tal decisão em nada afronta o já citado artigo 6.º da lei da anuidade escolar, sendo, em verdade, uma tentativa fracassada desse aluno de enriquecimento ilícito, já que o intuito dele era obter vantagem financeira decorrente dessa ação tomada pela escola, que é legítima, portanto.


Isto posto, caso as instituição intentem contemplar essa situação em contrato de prestação de serviços a regular o próximo ano letivo (e assim fazendo com moderação ao fixarem os valores de tais taxas), contam com total respaldo jurídico para tanto, o que deve contribuir em seu próprio proveito frente aos inúmeros abusos cometidos por pessoas de pouco princípio que tentando burlar a lei, desvirtuam por completo o conceito de “consumidor”, com o que não podemos pactuar!

17 de junho de 2013

Opção sexual e bullying nas escolas: uma hipótese real de danos morais!


A responsabilidade civil é a área do direito que determina que todos ajam com o devido cuidado em sociedade, pois aqueles que causam danos a outrem são obrigados a reparar tais danos (artigos 186 e 927 do Código Civil). Com o advento da Constituição Federal de 1988 e também do Código Civil de 2002 tornou-se, inclusive, perfeitamente possível a indenização por dano moral decorrente da ofensa dos direitos da personalidade, entre os quais a honra, a integridade corporal, etc.

Com o amadurecimento do instituto “dano moral” muitos novos temas surgiram como possibilidades de indenização por danos morais como a inclusão do CPF no Serasa, como a prática do assédio moral do trabalhador, como a prática da alienação parental, entre tantos outros temas novos que surgiram como novas causas da ocorrência do dano moral indenizável. Ao mesmo tempo consolidou-se o respeito obrigatório, sem discriminação alguma, com direitos e deveres a ser respeitados, no que tange à opção sexual.

Esse tema, da opção sexual, está na mídia, nas novelas e até mesmo as crianças estão expostas constantemente com figuras, fotos e mensagens que sugerem a existência de opções sexuais diversas. Recentemente a declaração da cantora Daniela Mercury mostrou ao Brasil todo esse cenário, em rede nacional, seja em revistas, seja em televisão. Não é um assunto que as crianças das escolas e ou jovens universitários desconhecem, ao contrário, faz parte do cotidiano deles e isso precisa ser considerado pelas instituições de ensino.

De fato, então, a preocupação é como isso chega até o ambiente escolar. De que forma as escolas estão tratando de maneira administrativa e pedagógica essa questão. De que forma o gestor escolar está preocupado em evitar possíveis violações de direitos de seus alunos, sobretudo, evitando possíveis situações que possam gerar danos morais.

Não é incomum a instituição de ensino que precisa estar atenta, por exemplo, no uso do banheiro feminino por rapazes e essa situação pode ser bastante complicada. O conteúdo das palestras ministradas também deve ser bem sopesado, evitando prejuízo à honra ou imagem de qualquer aluno, evitando comentários, posicionamentos críticos exacerbados e até mesmo piadas que possam ser vistas como ofensivas. Deve-se ter cuidado com as palavras proferidas em sala de aula pelos professores, pois é preciso que percebam que ali são verdadeiros porta voz da instituição de ensino, pois se alguma ofensa for praticada por ele a instituição responderá pelos danos por ventura causados. E, obviamente, a escola deve estar atenta para que situações do tipo, entre alunos, não se transforme em bullying.

Qualquer que seja a situação uma coisa é certa: se restar comprovada a agressão, a discriminação, a ofensa ou qualquer ato que prejudique a personalidade, a honra subjetiva ou objetiva de um aluno, por conta de sua opção sexual, permitirá que este ingresse com uma ação de danos morais em face da instituição.

A indicação é certamente de uma advocacia preventiva nestes casos, visando impedir que situações assim aconteçam. Algumas dicas: (a) as escolas devem tratar do assunto nas reuniões administrativas, nas reuniões pedagógicas e até mesmo entre os alunos; (b) deve elaborar uma cartilha ou tratar do assunto de forma temática em sala de aula, sempre sob a supervisão de um profissional que conheça o modo de abordar os temas; (c) deve punir os alunos quando necessário, para evitar a reincidência. A razão é permitir que a escola, caso seja acionada na Justiça, possa demonstrar seu posicionamento, demonstrar que não foi omissa e que atuou do modo adequado para evitar que qualquer dano pudesse ocorrer. Esse é um primeiro passo para a defesa, mas é essencial. 

A título de exemplo, segue abaixo o inteiro teor de uma recentíssima jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, com menção a vários outros julgados, onde é possível ver facilmente os cuidados que a escola precisa ter.


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
APELAÇÃO COM REVISÃO N° 9148038-83.2009.8.26.0000
COMARCA DE JUNDIAÍ

APTE.: KLÉBER LEANDRO RIZZATTO - (Autor)
APDA.: ASSOCIAÇÃO UNIFICADA PAULISTA DE ENSINO
RENOVADO OBJETIVO - (Ré)

EMENTA: Prestação de serviços escolares. Ação reparatória por danos morais, julgada improcedente.  Cabíveis tais danos, pois a conduta ou atitudes do aluno da Faculdade de Enfermagem não eram proibidas, nem ilegais. Passou o autor por mais do que meros dissabores ou contratempos. Constrangimentos. Plena aplicação do CDC. Dá-se parcial provimento ao recurso do aluno.

Trata-se de apelação interposta contra r. sentença de fls. 185/188, onde julgou-se improcedente ação indenizatória ajuizada por Kléber Leandro Rizzatto em  desfavor de Associação Unificada Paulista de Ensino Renovado Objetivo. Condenado o aluno autor a arcar com custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (mil reais). Saneador à fl. 119.  Insurge-se só o acionante (fls. 190/196).

Preliminarmente, aduz que a prova testemunhai foi clara ao relatar que o aluno de enfermagem sofreu constrangimento diante de seus colegas de turma, por sua opção sexual.
Quanto ao mérito, insiste no cabimento da indenização pelos prejuízos morais por ele experimentados. Em contrarrazões, manifestou-se a instituição de ensino demandada, pugnando, em suma, pela manutenção da r. sentença vergastada (fls. 200/212).

Deu-se à causa o valor de R$ 700.000,00, fl. 10, produzida prova oral. É o relatório, em complementação ao de fls. 185/186. Perderam as oportunidades de fls. 23 e 109, para solução amigável, em 2006 e 2007, aplicando-se plenamente o CDC.

A r. sentença não pode prevalecer, pois a  conduta e atitudes do aluno não eram proibidas nem ilegais, e pelos jocosos comentários feitos, plausível que tenha passado ele por desnecessários e desagradáveis constrangimentos, que até tangenciam discriminação.
Tal jamais poderia ter acontecido, principalmente em público, e em uma entidade de ensino.
Porém, o valor de R$ 700.000,00 é absolutamente irreal, cabendo reformar a sentença, para conceder danos morais de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que é o quíntuplo do valor dado inicialmente à cautelar, fl. 24, sem se olvidar das Súmulas 54 e 362 do C. STJ. Correção a partir deste.

Apenas para melhor ilustrar, veja-se o que segue, sempre com negritos nossos:
0018556-22.2010.8.26.0577 Apelação Relator (a): Vicente de Abreu Amadei
Comarca: São José dos Campos
Data do julgamento: 12/06/2012
Ementa: APELAÇÃO. Indenização por danos morais e materiais. Alegação de prática de bullying no interior de estabelecimento de ensino municipal. Ausência de comprovação das agressões reiteradas bem como da omissão da administração escolar. Sentença de improcedência mantida. Recurso não provido. Insuficiente o conjunto probatório para demonstrar situação de prática de bullying em ambiente escolar, com negligente omissão do estabelecimento de ensino municipal, forçosa a improcedência da pretensão indenizatória.

9184681-74.2008.8.26.0000 Apelação
Comarca: Bragança Paulista
Data do julgamento: 24/11/2011
Ementa: Prestação de serviços escolares. Indenizatória. Dano material e moral. Relação de consumo. Aluno vítima de agressões físicas e psíquicas. Bullying. Demonstração. Submissão a tratamento psicológico. Despesas a cargo da instituição de ensino ré. Necessidade. Despesas com a transferência do aluno para a rede de ensino particular. Possibilidade de utilização da rede pública de ensino. Dano material indevido nesse aspecto. Danos morais suportados pelo discente e pela genitora. Ocorrência. Indenização devida. Arbitramento da indenização segundo os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade. Necessidade. Sentença parcialmente reformada. Recurso do réu improvido e parcialmente provido o dos autores.

0114812-75.2011.8.26.0000
Comarca: Ribeirão Preto
Data do julgamento: 14/09/2011
Ementa: Tutela antecipada. Pedido. Alimentos provisionais. Indeferimento. Ausência de comprovação dos gastos efetuados com o tratamento médico e dos demais decorrentes dos distúrbios psicológicos sofridos pela autora, em razão de bullying ocorrido nas dependências da ré. Ausência do requisito da prova inequívoca da verossimilhança da alegação. Impossibilidade de antecipação da medida, mesmo a título da cautelar incidental prevista no § 7° do artigo 273 do Código de Processo Civil, sem a demonstração da fumaça do bom direito. Agravo de instrumento desprovido.

9173172-83.2007.8.26.0000 Apelação
Comarca: São Paulo
Data do julgamento: 13/05/2011
Ementa: INDENIZATÓRIA - Palestra proferida em escola pública, em que o palestrante se refere ao homossexualismo como "maldição", equiparando-o ao uso de entorpecentes e à violência - Constrangimento provocado ao autor, aluno da escola, que se encontrava assistindo à palestra - Responsabilidade do Estado pelo conteúdo da palestra - Indenização que não se mostra excessiva em face à gravidade do fato - Recurso da Fazenda e reexame necessário não providos.

9075984-61.2005.8.26.0000 Apelação Com Revisão
Comarca: F.D. VICENTE CARVALHO/GUARUJÁ
Data do julgamento: 28/01/2008
Ementa: (...) INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - Professor da rede municipal de ensino, proferiu durante a aula, comentários denegrindo a imagem dos homossexuais - Autor sentiu-se humilhado, em razão de sua escolha sexual - Sentença de improcedência - As testemunhas do autor não demonstraram a intenção do professor de atingir o autor em razão de sua opção sexual - Professor foi apenas infeliz ao expressar sua opinião quanto ao homossexualismo - Decisão mantida - Recurso desprovido.

Com efeito, restaram indicados os fatos narrados na exordial, no que tange à opção sexual do acionante. A prova testemunhal, prestada pelos colegas de turma, declara: a primeira testemunha (fl. 138) diz, que o estudante participou do estágio com outra professora e não mudou sua conduta, a segunda (fl. 139) reitera, o autor fez estágio supervisionado por professora e manteve a mesma conduta dos estágios anteriores, a terceira e última testemunha (fl.140) do demandante afirma que temiam que as professoras os tratassem com arrogância ou desprezo, mas pelo contrário, elas procuraram ser mais amáveis conosco.

Reverte-se a sucumbência de fl. 188.

Diante de todo o exposto, acolhendo no essencial, quanto ao mérito, os argumentos do aluno, dá-se parcial provimento ao recurso do autor.

CAMPOS PETRONIO
Desembargador Relator Sorteado